Quando
montamos a banda pensamos em diversos nomes. Arquivo Morto foi escolhido,
inicialmente, relacionado à situação mais direta de violência. Ou seja, aquele
que perde a vida por “saber demais”. A música Mais um Arquivo Morto retrata bem isso. Pensávamos nas mortes
provocadas por policiais e seus grupos de extermínio. Com o passar dos anos
percebemos que esta violência pode ir além, ser mais indireta e subjetiva. O
Governo, a Mídia, as Igrejas, dentre outras instituições, ao “formatar” a
opinião das pessoas, excluindo destas o potencial de rebeldia que surgiria dos
diferentes pontos de vista, faz de cada cidadão mais um arquivo morto. De um
modo geral o que queremos transmitir é essa possibilidade de pensar além do
“filtro” destas instituições para tornar as pessoas mais vivas e ativas.
Vocês formaram a
banda em 2001, como foi o começo? O que lhes motivou a entrarem no Punk/HC?
Moramos
na periferia e sempre curtimos muitas bandas punks que falavam de problemas que
vivíamos cotidianamente. Rolavam também em Maranguape I , bairro
onde surgiu a Arquivo Morto, eventos de Punk HC que nos aproximaram das bandas
locais. Nós tínhamos o motivador de
querer colocar para fora o ódio frente às mazelas sociais que vivíamos. Além
disso, a possibilidade de irmos a shows no próprio bairro e ver pessoas amigas
conhecidas se apresentando foi um agente fundamental para montarmos a banda. O
início, como o de muitas outras bandas, foi cheio de dificuldades. Instrumentos
e materiais emprestados e precários, além dos ensaios em quartos, terraços,
quintais ou qualquer outro lugar onde pudéssemos fazer barulho. Foram tempos
legais, posso dizer que estas dificuldades traziam mais proximidade e
coletividade que eram inevitáveis para que a nossa euforia inicial não se
perdesse e a banda acabasse antes de começar. Com o passar do tempo, fomos adquirindo
alguns equipamentos, fazendo os primeiros ensaios em estúdios de bairros
vizinhos e, com a ajuda dos amigos, participamos dos primeiros eventos. Tocar
para uma galera e depois trocar umas ideias foi e ainda é, o principal
combustível que fez e faz a banda continuar.
Geralmente as bandas
passam por vários e diversos perrengues até conseguirem estabilizar uma
formação, foi assim com vocês? Qual é a formação atual?
No
início a banda tinha quatro integrantes, mas nunca se apresentou com esta
formação. Daí, já fica claro que a questão dos integrantes se mostrava dentro
destes parâmetros que você citou. Para resumir, nos seis anos iniciais da banda
tivemos muitas mudanças com passagens de pessoas pela bateria, baixo e vocal.
Como estou desde o início, posso dizer que todos colaboraram muito e que sempre
tivemos boa sintonia nas diversas formações. Nestes últimos anos que
permanecemos em Power Trio
percebemos que a banda possui uma personalidade que é a soma de tudo que a
Arquivo Morto já viveu com aquilo que cada um traz de novo. Hoje somos Guill
(Guitarra e Vocal), Julio (Baixo e Vocal) e Whent (Bateria).
Após lançarem a demo
`Falsa Democracia` (2007) vocês deram uma parada e recentemente retornaram à
ativa. O que causou a parada? Quando ela ocorreu e o que os motivou a voltarem
a tocar?
A
Demo Falsa Democracia era um projeto
que existia há muitos anos, mas que, por diversos motivos, acabou sendo adiado.
Em 2007 estávamos com uma nova formação que contava com o nosso amigo John nos
vocais. Decidimos que era hora de gravar e deu certo. Porém, pouco tempo após a
gravação John saiu da banda e alguns integrantes estavam passando por situações
pessoais que pediam mais dedicação de tempo. Foi quando demos a parada e
acabamos não divulgando o material devidamente. Sabíamos que isto era por pouco
tempo. Neste momento a banda já tinha encontrado uma formação bem estável e
tínhamos que voltar a tocar. Foi o que aconteceu. Gosto de dizer que a Arquivo
Morto nunca fica totalmente parada, só demos um tempo, mas sempre estamos
ativos de alguma forma.
O som de vocês é bem
porrada, HC tosco com generosas pitadas de grindcore! Que bandas influenciam a
sonoridade do Arquivo Morto?
Esta
é uma pergunta um pouco difícil de responder. Os três integrantes atualmente
escutam muitas bandas Punk, HC, Crossover, Thrash, Powerviolence, Grind e por
aí vai. Isto é fruto de uma realidade nova que traz a possibilidade de acesso a
tanta informação. Posso dizer que as músicas da banda são construídas de forma
muito intuitiva. Um integrante leva uma ideia inicial e vamos montando o
barulho coletivamente pensando em como dar sentido a uma ideia que possa ser
transmitida de forma sincera e simples para as pessoas. Depois de prontas, às
vezes, a gente vai identificando algumas semelhanças com algumas bandas, mas a
influencia é bem indireta e coletiva.
E a parte lírica? O
que procuram expressar com as letras?
As
letras sempre estão retratando o que está nos incomodado. Aquilo que
identificamos como problemas sociais que merecem atenção e que podem ser
superados a partir da mudança do olhar das pessoas sobre eles. Existe sempre
nas nossas letras um opressor e um oprimido e acreditamos na superação desta
realidade. Um ponto central é que o opressor consegue, muitas vezes, construir
um outro opressor dentro das pessoas. As letras tentam desconstruir isso,
tentam fazer as pessoas entenderem o que se passa ao seu redor e que podem se
libertar da opressão de dentro para fora, para lutarem sendo o que realmente
são e fazer suas vidas realmente valerem a pena. A música Atordoado é a chave para entender este sentido em todas as outras
letras da Arquivo Morto. O que fica claro é que não existe uma ideologia
predominante na Arquivo Morto, mas a desconstrução de uma visão hegemônica
imposta para gerar olhares mais críticos e livres.
Estão fazendo
músicas novas? Planos para outra gravação?
Sim.
No momento estamos construindo algumas músicas novas e pensamos em gravar nos
próximos meses. Nesta nova gravação estarão algumas músicas que já tocamos há
muitos anos, mas não foram registradas, além de alguns sons novos. Estamos
também dialogando com alguns amigos para parcerias em splits que devem sair em breve. Um destes
contatos resultou no Split Destruindo o seu Conforto com a banda de
grind Diskordia, do Chile.
Conheço
razoavelmente o underground daí e sei que o lance é muito forte em Recife, mas
nunca ouvi nada sobre bandas ou alguma forma de manifestação underground em
Paulista.
Qual é a realidade
de vocês aí em termos de shows, locais de ensaios, fanzines, points? Vocês
conseguem fazer esses lances aí mesmo ou tem que ir para Recife? Há mais
bandas em Paulista?
Sim.
Paulista é uma cidade que produz muita energia no underground. Aqui mesmo em Maranguape I temos
bandas na ativa como a Nação Corrompida, Corroídos pelo Ódio, Headslaugther...
Além de outras bandas surgindo e algumas paradas. Todas são muito boas. Se
ampliarmos para Paulista, teremos muitas outras. O que ocorre nos últimos anos
é a falta de eventos nos bairros, o que leva a certa concentração de shows no
centro do Recife. Este é um ponto que temos discutido fortemente e tentado
trazer soluções para uma retomada dos shows nos bairros de origem das bandas.
Uma dessas tentativas é o Coletivo Maranguape que tem como um dos seus
objetivos esta descentralização e a oportunizarão das bandas tocarem na
periferia. Falando de Zines temos o nosso e do Thiago da Desgöstö, banda também
de Paulista. Além disso, temos outras iniciativas que não lembro no momento,
mas que são muito fortes.
Posso
dizer que na Região Metropolitana do Recife existe realmente um movimento
intenso. O que sinto falta, como disse, é da organização de mais eventos na
periferia. Penso que este é um dos principais caminhos para o surgimento de
novas bandas e para a ampliação/renovação de pessoas/força para o underground.
Os eventos no centro devem continuar, mas terão sempre mais energia quando
somados ao que estiver rolando na periferia.
Estão tocando
bastante por aí?
Nós
sempre tocamos por aqui e somos a favor de um rodízio constante de bandas que
faça com que todas se apresentem para que o público possa conhecê-las e todos
possam se expressar.
Ano passado o
Projetto Macabro, de Recife, fez uma mini tour aqui e no DF, vocês tem vontade
de fazer algo assim? Já tocaram fora de Pernambuco?
Conhecemos
a Projeto Macabro, banda muito boa que com certeza mandou bem nesse role aí.
Fora do estado nós já tocamos muitas vezes em Natal e João Pessoa. Surgem
sempre oportunidades de irmos mais longe, mas a vida pessoal sempre tem
impedido de acontecer. É uma questão de tempo para isso dar certo.
O que vocês gostam
de escutar?
Como disse antes estamos
sempre pesquisando novos sons e ouvindo muita coisa boa. Sempre que temos
acesso a novos materiais estamos dando uma boa atenção.
Podem
nos indicar algumas bandas aí de Pernambuco?
Cara, poderíamos citar várias, pois são muitas bandas boas. Mas vou pedir ao Julio que está aqui via mensagem neste momento comigo para citar algumas que lhe vierem à cabeça no momento:
Cara, poderíamos citar várias, pois são muitas bandas boas. Mas vou pedir ao Julio que está aqui via mensagem neste momento comigo para citar algumas que lhe vierem à cabeça no momento:
“Mente podre (som único, com vocais únicos e batera na velocidade da luz); Nação corrompida (Crossover que não entra na mesmice do estilo); Projjeto Macabro (Duo crustcore); Desgosto (Power violence como nunca visto por aqui); Esmoleo (Tipo aquelas bandas que você conhece o som de longe), Guerra Urbana (Dbeat fudido, galera ativa), dentre outras...”
Como uma banda Punk
como vocês estão vendo os atuais `protestos populares` Brasil afora? Acham que
algo realmente irá mudar com isso? Aqui em Goiânia o lance partiu para o lado
da modinha, o povo indo para `a passeata de protesto` como se estivesse indo
para uma micareta ou comemoração de algum título de futebol! Como está o clima
dessas manifestações em Pernambuco?
Não
sei se seríamos uma banda punk. Realmente em certos sentidos diria que sim, mas
tenho certeza que muitos outros olhares diriam que não. Então preferimos deixar
as pessoas darem esta definição de acordo com os seus conceitos. O que podemos
dizer é que apoiamos a cultura punk adaptada às reais necessidades de cada
realidade. Quanto aos “atuais protestos populares” não foi diferente aqui no
Recife. Muitas pessoas foram às ruas, mas a grande maioria estava ali sabendo
que o país tem muitos problemas, mas sem entender o real poder que possuem de
gerar mudança. Então ficou tudo muito orquestrado pelas mídias (principalmente
a Rede Globo) e pelo Governo do Estado. O Resultado foi uma festa com direito
até para aplausos para o Batalhão do
Choque. Claro que também rolaram umas ações mais contundentes, mas foram
apagadas rapidamente pela mídia sob o nome de “minoria de vândalos que não
representam o movimento”. Apesar de tudo isso, estas manifestações não devem
ser totalmente deixadas de lado, como se não levassem a nada. Foi interessante
ver o Centro Comercial do Recife parado em pleno dia de semana e tanta gente
ali, mesmo que ainda neste nível que citamos. O que deve de fato ocorrer é
tornar isso algo mais comum, na esperança de que a experiência de ir às ruas
traga mais autonomia para as pessoas e que estas possam ir além das estratégias
de controle das instituições que entram em cena nestas situações. Por isso
devemos continuar estimulando as pessoas a irem às ruas em outros momentos por
vir e pensarmos em como trazermos informações para estas pessoas mais
“alienadas” nestas oportunidades. Apenas criticá-los só os afastam de nós e os
deixam mais vulneráveis para aqueles que já os controlam. Então é hora de
pensarmos em como agregar mais gente antes de situações como estas acontecerem
e também durante elas. Gerar possibilidades de reflexão que levem pessoas mais
preparadas para estes momentos é a principal função do underground e o
principal objetivo da Arquivo Morto.
Sempre
gosto de fazer essa pergunta às bandas que entrevisto para o blog: Como vocês
conciliam as atividades da banda com as `inevitáveis` obrigações da vida adulta
como trabalho,relacionamentos, famílias?
Cara
esta é uma tarefa difícil. Muitas vezes remarcamos ensaios por compromissos que
surgem de última hora. Outras que não pudemos tocar. Além de não poder se
ausentar por longos períodos das correrias cotidianas o que tem nos impedido de
possíveis turnês. Mas, de um modo geral, vamos levando. Tem sempre uma galera
que apoia e outra que acha pura perda de tempo o que fazemos. Importante é que
estamos firmes e sempre aproveitando os espaços abertos e abrindo novas perspectivas.
São mais de 12 anos e quem venham mais 12 no caminho.
Espaço livre
Gostaríamos
de agradecer a atenção dada por vocês. Este tipo de interação faz o underground
estar sempre vivo. Quando montamos a banda não tínhamos computador e os zines
eram os mecanismos que iam além da interação mais direta da banda para este
tipo de diálogo. Hoje podemos fazer bom uso destas ferramentas digitais para
que estas ideias cheguem mais longe. Uma coisa, porém, não deve excluir a outra
e continuamos com o zine e valorizando a interação direta. Desse modo,
agradecemos e nos despedimos na expectativa de nos conhecermos em breve e
podermos tocar e dialogar com toda a galera que ler esta entrevista.
Abraços,
Guill.
P.S
– O nome do fanzine editado pela banda é Arquivo Morto Info Tosco Zine
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